quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Reflexões - Parte IV

Passados que estão 2 dias após o acontecimento que motivou esta reflexão parece-me de todo conveniente e importante publicá-la até porque passado este tempo, as emoções suavizaram e a objectividade voltou a contagiar o meu pensamento.


Estou habituado a estar de outro lado da "barricada" e a ser protagonista na arte de ajudar e de prestar o melhor socorro pré-hospitalar possível dentro daquilo que são as condicionantes da formação e da profissão de um TAE (Técnico de Ambulância de Emergência para quem não sabe). Nunca parei muito tempo para imaginar seriamente como seria estar do outro lado; se calhar porque sempre pensei que alguém com esta profissão acaba por ter uma sensibilidade superior e uma capacidade de prevenir e de evitar o sinistro muito maior. Não é que isso não seja verdade mas ninguém controla os outros nem tem sempre a capacidade para prever o seu comportamento e vai que num belo dia que eventualmente teria tudo para ser perfeito ou simplesmente normal, o sinistro acontece e tudo isto passa a ser pensamento principal. Estamos todos (sem excepção) sujeitos a isso e nada do que façamos vai mudar essa realidade. O nosso cuidado e a nossa atenção vão diminuir drasticamente as probabilidades mas nunca as vão anular...


No meio do trambolhão de sensações sobressai a injustiça do tratamento. Em termos pessoais não é justo que
alguém que tenta sempre fazer um bom trabalho, com rigor, cuidado e profissionalismo tenha sido tratado desta forma: a cervical não foi estabilizada porque ninguém se lembrou provavelmente, o colar cervical foi colocado ao contrário porque ninguém se lembrou de olhar para ele com atenção, o colete de estracção não estava na ambulância porque alguém o tinha tirado ou se tinha esquecido, a extracção para o plano duro foi como quem pega num"saco de batatas" porque se calhar não sabiam fazer de outra maneira, nenhum parâmetro vital foi medido porque ninguém o sabia fazer ou ninguém se lembrou que isso podia despistar uma situação grave de lesão oculta/ hemorragia interna conducente a choque, ninguém passou dados ao CODU porque ninguém se lembrou ou não ninguém lhes demonstrou a importância dessa acção, etc.
Em termos sociais não é justo que alguém que paga o mesmo que qualquer outro cidadão/ contribuinte tenha que ter a sorte de ter um acidente num local em que o serviço de emergência pré-hospitar seja profissionalizado e garantidamente competente (no mínimo) para poder ficar descansado, para não ter medo do socorro que lhe será prestado.
Fiquei perplexo confesso. Sabia das assimetrias do sistema mas não imaginava que o mau fosse tão mau. Nem sequer interessa referir nomes nem de pessoas nem de instituições, a sensação que tive foi que quem me socorreu tentou fazer o melhor que podia e sabia mas isso era tão pouco mas tão pouco que me deixou com pena, de mim e de quem como eu tem o azar de estar no sitio errado à hora errada e ainda por cima numa área servida por ambulâncias que saem à rua ao toque de sirene, com pessoas cheias de boa vontade mas completamente vazias de formação, competência e material. Pobre é o Estado que permite isto e pobres são as pessoas que dirigem instituições que compactuam com esta politica facilitista, de "deixa andar", de "logo se vê", de "mais vale fazer mal, muito mal do que não fazer nada". É que fazer mal atrasa as soluções boas ao contrário do não fazer que antecipa soluções e meios!! Faça-se alguma coisa neste sistema que merece ser profissionalizado, merece ser reconhecido pela competência e merece deixar as pessoas descansadas relativamente à capacidade e qualidade da resposta a situações de emergência, quer elas aconteçam em Ovar, ou em Alijó, ou em Coimbra, ou em Odemira ou em Arrifana!!


P.S. “Só me dirijo às pessoas capazes de me entender, e essas poderão ler-me sem perigo”, Doantien Sade